Em dias como hoje, de uma era pós-moderna, lidamos com idéias e valores transmitidos de maneira a nos fazer crer que tudo aquilo que consumimos são bens descartáveis. Tais idéias servem para nada mais que gerar mais e mais consumo. Em dias como hoje não se admite um festival de cinema com perspectivas tão inovadoras, com valores tão fortes e de permanência no âmago do indivíduo.
A vanguarda cinematográfica do século XXI está passando ao largo da classe intelectual profissional acadêmica cinematográfica. Ela está sendo feita nos guetos e nas periferias, está se distribuindo alternativamente e por meio do copyleft (anticopyrigth). Ela está abolindo a noção de competitividade do capitalismo tardio e está abolindo o escasso acesso a uma modernidade sem modernização presente em outros festivais de cinema, está ultrapassando o conceito de linguagem para e pelo cinema de autor e de bilheteria. Ela está criando a sua própria língua, distante dos que ainda insistem em parecer cinéfilos para adquirir a respeitabilidade colonizada de seus pares.
Não importando de onde vem, a vanguarda cinematográfica do século XXI chega com a certeza de que não lhe basta a maneira como o cinema – principalmente o Latino – se organiza em seus países, algo que beira à humilhação e que inclusive é insistentemente aplaudida por aqueles que ainda almejam entrar no portal dos humilhados.
Pergunto-me quando se dará o entendimento de que é falando de nós mesmos que ganharemos o mundo? Precisamos falar de nossa aldeia latina, nossa oca, nosso chão, nosso sertão.
Quando se trata de povos colonizados, não há muito que falar além daquilo que responde à condição de colonizados. Nenhum Oscar vai mudar essa realidade se não nos detivermos a pensar no principal fator que nos molda e nos faz ser quem somos.
Nesta perspectiva me pergunto: até quando um festival como o FELCO - Festival Latino Americano da Classe Obrera vai ser mantido no anonimato? Até quando nossos olhos seguirão domesticados e condicionados para tudo aquilo que não nos diz respeito? Até quando vai prevalecer o modelo que faz o pobre sonhar o mesmo sonho do rico enquanto as condições básicas e mínimas de um ser humano viver são transformados em bens de consumo? Até quando a luta pela vida será vista como um simples movimento antiglobalização? Pois como disse Brad Will, que se globalize a justiça, os alimentos, a cultura, o respeito e a verdade.
Por que ainda não fomos capazes de ver e refletir sobre aquilo que se tornou a úlcera da burguesia? Até quando a vanguarda cinematográfica latina terá de ceder e se esconder? Então o que fazemos não é cinema? Então o que fazemos não é digno? E aquilo que é feito no âmbito da normalidade, do que podemos chamar? Que nome dar ao cinema comercial, “culto” das elites? É este o cinema ‘triunfante’ que queremos?
O principal obstáculo que vejo é a errônea idéia de democracia que se traduz na fajuta desculpa que “o espectador tem o direito de escolher os filmes que prefere”, pois aí estaremos omitindo um detalhe onde para um publico eleger ou rechaçar um filme é preciso que este filme seja antes de tudo exibido, divulgado, exposto, e nas mesmas condições técnicas que o outro estrangeiro. Ainda que não se peça melhores direitos para aquilo que é nosso, nacional, ao menos a igualdade exigimos, ao menos condições iguais de escolha por parte do espectador!
A América Latina chega até aqui com o seu cinema de vanguarda, realista, crítico e popular e isso incomoda! É urgente a necessidade de ocupar as telas, ocupar as salas! É urgente que se veja, que se ouça, que se faça e que se promova o cinema de vanguarda da América Latina, o cinema de base, o cinema de consciência e mudança política, artística e intelectual.
Viva Fernando Birri, Viva Raymundo Gleyzer, Viva Glauber Rocha, Viva Jorge Sanjinés, Viva Zapata e Zumbi, viva todos os nossos mestres e guias na caminhada pela América Latina livre!
Vida Longa ao FELCO!
Aline Souza
Comissão Organizadora da V Edição FELCO BH 2010.
Jornalista e Pesquisadora
www.redefelcominas.ning.com
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