Pela Greve Geral na Educação - Carta Aberta


Santana do Riacho, 22 de maio de 2010


Escrevo esta carta aberta, em forma de diário, dirigida à comunidade escolar, para fazer uma avaliação sobre todo o processo sociopolítico de construção desta greve. Tentarei transmitir minha vivência neste evento e refletirei sobre a importância histórica da greve que vivemos. Não prometo, porém, retidão e objetividade, pois as emoções são fortes demais e fogem ao controle racional. Farei reflexões sobre o gênero textual que estou utilizando, já que me dirijo, principalmente, aos alunos e professores, a quem eu tento ensinar um pouco do que sei sobre os textos como instrumentos, não apenas de liberdade, mas de cidadania. Não deixarei, no entanto, de apresentar dados negativos e relevantes para nossa comunidade escolar, que sofre com esta greve e talvez desconheça os verdadeiros culpados.

Começarei, justamente, pelo lado negativo da greve que, realmente, afeta e preocupa a todos nós, inclusive professores, que também temos filhos nas escolas públicas, já que nosso salário hilário chega a ser a metade do que a mensalidade de uma escola particular. Sobre aspectos negativos, ficam os pontos cortados, de alunos e professores, e fica a dúvida sobre a reposição de aulas nos fins de semana, além do fantasma da anulação do ano. No nosso caso, como estamos na área rural, teremos que, provavelmente, repor aulas na época das águas em meio aos atoleiros dos ônibus e a falta de luz, já normais em nosso cotidiano escolar. Teremos uma defasagem no conhecimento curricular, pois sabemos que, pedagogicamente falando, a aprendizagem não funciona com a rapidez de muita informação, mas sim, num processo lento de interação e reflexão com o próprio conhecimento.

Mas os tempos modernos são rápidos, o Estado quer ver resultados, metas e números para dar os prêmios prometidos! Nos matamos de trabalhar com PIP, FIT, EJA, que para nós são pessoas reais, mas para o Estado, são siglas, números e hora-extra apresentados em um contracheque obscuro e confuso no qual, hoje (posso provar a qualquer um) recebo menos dinheiro por mais aula do que no ano passado. Nem a diretoria consegue me explicar tudo no meu contracheque e o porquê dos atrasos e o “vamos esperar o próximo mês para ver”. Estou ansioso pelo próximo, pois sei que tudo pode acontecer, poderão cortar meu ponto, mas quem sabe haverá um super prêmio de 10% em meu salário base de 535 reais? Mais uma bijouteria em meu contracheque brilhante. Fim das contas.

Pois bem: declararam a greve ilegal, pois a educação, como que por encanto e sem aprovação prévia, passou a ser, ao lado do exército e da polícia, um serviço “essencial” que não tem direito de greve. Greve que até então era um direito assegurado ao servidor público, previsto no art.37, inc.VII, da Constituição Federal de 1988. Ou seja, qualquer outro juiz poderia “interpretar” a ilegalidade da greve como inconstitucional.Se a polícia entra de greve, é um dia de negociação. Se o exército entra de greve, é golpe militar na certa. Professores em greve há 46 dias apenas conseguem ameaças, mentiras, ingratidão. Aliás, a ingratidão é o que dói mais, sabendo que minha avó educou essas mesmas pessoas que nos “governam”. E, hoje, minha avó, professora estadual aposentada, tem em seu salário base a quantia hilária de 390 reais, menos do que o salário mínimo, por uma vida inteira dedicada ao Estado Maior.

Já há mais de dez anos sem reajuste no salário base, não seria hora adequada de parar e dar o grito? “A greve é o último grito do operário faminto” já dizia o filósofo. E é nesse cenário que venho mostrar a beleza da construção de uma greve que começa com um, se espalha para três, e daí são 15.000 professores na avenida, dando a sua “aula” à sociedade. São mais de 100.000 professores de braços cruzados, fazendo a máquina do sistema falhar. São 10.000 braços erguidos votando a continuidade da greve, para que não voltemos com os rabos entre as pernas, pois para Eles, somos como cães famintos. Um cão sozinho é facilmente espantado com uma ameaça, mas uma matilha toma força de grupo, e a união dos professores, no dia da assembléia, me fez chorar e uivar como um lobo faminto. Há tempos não vejo tamanha união social, e sinto pena dos diretores e professores que não participam desse evento, já que se eximem de um sentimento grupal muito único e confortante. Somos categoria, somos classe, somos organizados, e não existe Estado, nem ameaças que nos enfraquecerão. São 100.000 cabeças erguidas e, mesmo que nos condenem, nos usem e nos cuspam, nós continuaremos educando seus filhos, netos e bisnetos, resignadamente, por uma migalha que nos oferecem.

Mas chega de panfletagem, e voltemos à calma de espírito que nos é requerida no exercício dissertativo. Aliás tipologia muito aproveitada neste texto, socialmente conhecido como “carta aberta”. Por isso, pelos suportes textuais de que me disponho, computador, xérox, e-mail, cartaz, divulgo este texto escrito para minhas redes sociais e peço a divulgação para suas redes. A greve deve ser mantida agora, mais do que nunca, pelo próprio fato de sua ilegalidade. Se voltarmos às aulas, o próprio direito de greve de nossa categoria estará ameaçado, uma vez que este caso jurídico específico abrirá precedentes para casos semelhantes em nossa classe e então não poderemos mais usar este direito adquirido e teremos que, aí sim, aceitar tudo que nos impõem. Mas agora, uma reflexão de ordem questionadora: Será que o governador ANESTESIA e o juiz Wander MAROTTO conseguiriam viver com o salário de R$ 1.312 que estamos exigindo? Por que será que a Polícia Federal, com seu salário de R$ 8.000 fez uma paralisação no último dia 19 deste mês? Em tempo recorde, conseguiram para o mesmo dia da paralisação uma reunião no Ministério de Planejamento, em Brasília. Será que, em semelhança com nosso caso, vão cortar o ponto deles, e declarar a greve deles ilegal, por ferir o direito dos outros cidadãos à segurança de qualidade? Espero que não, pois policiais com raiva podem ser muito perigosos... Já professores, são como cães raivosos e devem ser tratados como tais.

Pois bem, nossa greve já dura quase 50 dias e vem crescendo o número de professores em adesão. Hoje , às vésperas da imprevisível e provável última assembléia, apenas posso esperar, me revirando para colocar o pão em casa, e esperar uma notícia no rádio, pois a televisão se cala. Segundo estimativas, esta é uma greve histórica, devido ao número crescente de professores que aderem, em cada assembléia, ao movimento. Cada encontro se mostra mais denso e as passeatas ficam cada vez mais volumosas. É uma coisa linda de se ver! É um evento que causa dúvidas sim, mas dúvidas que se dissolvem quando chegamos juntos numa assembléia com mais de 15.000 pessoas, de diversas regiões do Estado. E tenho a leve impressão de que a próxima entrará para a história da educação no Brasil, símbolo de que a união de uma categoria (mesmo sem o reajuste) é mais forte e verdadeira do que o egoísmo e a ingratidão de poucos.

Termino esta carta aberta pedindo a todos o apoio ao nosso movimento, principalmente por parte dos professores e funcionários que não aderiram à greve. Me entristeço de pensar que meus colegas possam espalhar injúrias e discórdias pelos cantos e corredores das escolas vazias, falando mal de seus colegas de trabalho. Pelos pontos negativos, peço desculpas a esta comunidade escolar, acreditando que posso ampliar esta rede, pois o trânsito tem sido palco instantâneo de nossas aulas semanais de cidadania. Desculpem-nos. Pelos pontos positivos, peço ajuda nas orações, para que Deus (e o Estado) ilumine a cabeça dos que nos representam nas negociações e nos concedam um reajuste em nosso salário hilário. Se não podemos contar com a “justiça cega de um olho”, que assim seja!

Lapinha, 24 de maio de 2010.



Inicio esta página, com os olhos molhados de desapontamento. Acabo de presenciar, pelo rádio, a mentira travestida de informe oficial. O “anúncio comercial”, transformado em Esclarecimento para a população, se transformou em Convocação urgente para que os parafusos da grande máquina voltassem a trabalhar. Alegam mentirosamente que já pagam o piso estipulado pelo Grande Estado e eu não consigo ver isso em meu contracheque. Ilegalmente alegam a ilegalidade da greve, e então sonho com uma eminente paralisação geral da categoria. Professores universitários, excedentes, aposentados. Professores de escolas particulares. Professores municipais, estaduais e federais. Professores particulares. Todos agora estarão com os braços cruzados, pelo próprio direito de greve. Paralisação Geral da Educação nas principais manchetes. Mas parece que meu sonho foi minado pela “convocação” do rádio. Apenas espero ansiosamente a próxima assembléia, amanhã, para a qual estarei me dirigindo, com minha câmera na mão, captador de áudio no bolso, máquina fotográfica no outro bolso e muitas idéias na cabeça, muitos sentimentos no coração (ou seria o contrário?) e uma vontade imensa de que esta greve fosse apoiada por toda a categoria e daqui de Minas se espalhasse pelo Brasil, uma greve que fizesse o sistema ruir, com todas as conseqüências financeiras, pedagógicas e institucionais possíveis. Imagino uma greve geral com mais de um milhão de professores parados, fazendo a máquina falhar...

GB

Belo Horizonte, 25 de maio de 2010.



Assembléia hoje. Continua? Não continua? Quantos irão? Agora são 8:00 e mal posso esperar pela tarde que trará consigo a história viva. Somos agentes da história, mesmo que nos digam o contrário. Acho que hoje será grande. Que Deus esteja conosco, pois o Estado já nos abandonou...

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