Quilombos Gerais


A morosidade e invisibilidade na questão quilombola em Minas Gerais.

republix: http://www.midiaindependente.org/

Existe no estado de Minas Gerais quase uma centena de comunidades remanescentes de quilombos de acordo com o Incra, sendo a maior parte delas situada no norte de Minas. Segundo a Federação Quilombola N'GOLO, no entanto, o número é ainda maior, chegando a mais de quatro centenas de comunidades. Minas Gerais ocupa o terceiro lugar quanto ao número de comunidades quilombolas certificadas, contando com 123 certidões emitidas pela Fundação Cultural Palmares. E o segundo lugar quanto ao número de processos administrativos de regularização fundiária instaurados no INCRA, tendo 127 dos 996 processos de todo o país.

No entanto, foram publicados os RTIDs (relatório formado por várias peças para a titulação das terras pelo Incra) de apenas sete comunidades quilombolas em Minas Gerais: Brejo dos Crioulos, Mumbuca, Mangueiras, Marques, Machadinho, Família dos Amaros e São Domingos. Outros dois RTIDs estão sendo finalizados: o de Gurutuba e o de Luízes.

As comunidades têm o direito de propriedade definitiva da terra assegurado pela Constituição Federal e acesso a políticas públicas específicas, muitas vezes relacionadas, no entanto, à regularização fundiária. A titulação da terra é a última parte do processo aberto no INCRA e, quando titulada, a titulação é feita em nome da Associação Quilombola da comunidade, sendo pro indiviso, inalienável, imprescritível e impenhorável.

A demora em regularizar as terras, no caso de dois quilombos em Belo Horizonte, por exemplo, tem intensificado a especulação imobiliária na área, como destacaram Ione e Miriam, do quilombo de Mangueiras e Luízes, respectivamente. Em contextos rurais a morosidade estatal muitas vezes leva à intensificação de conflitos fundiários dos quilombolas com fazendeiros e grileiros. No caso de Mumbuca e Marques, a construção de hidrelétricas aparece como foco de conflito. Em Mumbuca o impacto é indireto, pois a comunidade está sendo afetada pela instalação de uma obra de compensação ambiental exigida no licenciamento da Usina Hidrelétrica de Itapebi: a criação da Reserva Biológica da Mata Escura. A Reserva se sobrepõe em parte ao território de Mumbuca e não permite a presença de moradores e o mais absurdo nessa história é que a mata só está conservada em função da presença do quilombo, pois no entorno, onde estão os fazendeiros, a área está devastada. João da Cruz ainda ressaltou no Encontro que "só fazer Relatório Antropológico não basta, o Relatório é de 2006 e ta tudo parado". De fato não basta. O Relatório Antropológico é apenas uma das peças que compõem o RTID. É preciso acelerar o processo. No caso de Marques está prevista a construção de uma Pequena Central Hidrelétrica, a PCH Mucuri, que afetará cerca de 47ha do território e deixará isolada uma área de quase 7ha. De um modo geral Minas Gerais tem-se mostrado um estado conservador ao se tratar da questão quilombola (e também em várias outras...) e um exemplo disso é que há apenas uma comunidade titulada no estado, que infelizmente está embaixo d'água pelo reservatório da hidrelétrica de Irapé, no norte de Minas. As lideranças quilombolas cobram que seja dado "um pontapé" na questão quilombola: "eu quero ver pelo menos uma comunidade titulada em Minas Gerais", disse João da Cruz, da comunidade Mumbuca (município de Jequitinhonha), no Encontro promovido dia 25/11 pelo Núcleo de Estudos de Populações Quilombolas e Tradicionais (NuQ): "Obstáculos à regularização das terras de Quilombo em Minas Gerais". O Encontro teve o apoio do com apoio do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N'GOLO) e Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMG. Sandra e outras lideranças quilombolas presentes no Encontro manifestaram suas posições de cobrança e foram discutidas alternativas para se agilizar o processo de titulação entre Defensoria Pública Minas Gerais, Ministério Público Federal e INCRA. Buscou-se ainda meios jurídicos de desvincular o acesso aos direitos específicos à regularização fundiária, já que com um número tão elevado de pedidos, pode-se imaginar a quanto tempo irá demorar para se regularizar todos os casos. Para conhecer um pouco mais sobre as políticas específicas aos quilombolas ver: 4. Sandra, presidente da Federação N'GOLO, ressaltou no Encontro: "O que pode ser feito? Porque a gente já fez de tudo. A luta é muito desigual. A gente queria que o INCRA fizesse mais. Eu sei que não tem jeito, mas o quilombola ta desanimando sem o território".

O que se nota atualmente, como destacaram lideranças e Instituições presentes no Encontro, é a presença de um racismo institucional que vai contra o interesse do quilombola, o que se soma com a morosidade em solucionar a questão e invisibilidade que as comunidades remanescentes tem na grande mídia. Muitas vezes, quando aparecem, são classificados como oportunistas. Aqui vale lembrar a reportagem da Veja sobre a "Farra da Antropologia Oportunista" que saiu em maio desse ano que, além de desqualificar a luta dos indígenas, era também racista em relação à luta dos quilombolas. Muitas vezes o próprio pedido acirra os conflitos entre os quilombolas e os segmentos regionais, o que muitas vezes culmina em situações como a que saiu em jornais impressos e internet no dia 22 de novembro. O Encontro promovido pelo NuQ ocorreu, coincidentemente, na mesma semana da divulgação na mídia sobre a Ação Civil movida pela Procuradoria de Minas Gerais contra o Governo do Estado, sendo a Polícia Militar de Minas Gerais acusada de cometer várias arbitrariedades contra três comunidades quilombolas no norte de Minas: Povo Gorutubano, Brejo dos Crioulos e Lapinha.

Os abusos foram cometidos pela PM/MG que, segundo consta na Ação Civil, "tem demonstrado despreparo e inabilidade no trato dos conflitos fundiários, invariavelmente em detrimento das comunidades tradicionais". Os abusos ocorreram: em 2006, contra o Povo Gurutubano; em 2007, contra a comunidade Brejos dos Criolos; e em 2010, contra a comunidade da Lapinha.

Ao final do Encontro promovido pelo NuQ, as lideranças se manifestaram sobre o debate que foi feito entre eles e os representantes do poder público. Não há espaço aqui para transcrever todas as falas, mas destacamos a atenção sobre os pedidos de parcerias (instituições, ONGs e movimentos sociais) para auxiliar na visibilidade e luta dos quilombolas pela consolidação dos direitos estabelecidos na Constituição, além de fortalecer a luta entre eles. Como afirmou o Edson, do Quilombo de Marques, "jamais vamos desistir de lutar".

Interessados em ser parceiros em Minas Gerais na questão quilombola, procurar o CEDEFES, NuQ, Federação N'Golo: http://www.cedefes.org.br/index.php?p=afro | http://www.fafich.ufmg.br/nuq/?page_id=128 | http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/mg/mg_ngolo.html

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